quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Habitar

Eu queria braços e eles não estavam aqui. Eu queria olhos e eles não estavam aqui. Eu queria calor e ele não estava aqui. Eu queria palavras. Palavras estão em todos os lugares. Mas não estavam aqui. Quando a gente precisa de ar. Quando o ar falta quando precisa. Morre. Não tem outro jeito.

A banda

Jogou no chão todas as razões e certezas. Pisou, repisou. Tentou estraçalhar em pedaços mínimos. Bobinha! Como se conseguisse, dessa forma inútil, diminuir aquele vácuo entre a boca e o coração. Respirou fundo e tanta coisa pelo chão, nada estava dando certo. Correu na cozinha e jogou pra dentro do saco preto toda aquela bagunça esparramada no chão. Num papel branco mal cortado rascunhou um bilhete. Mas era apenas um bilhete e achou todas aquelas palavras demais. Enviou pelo correio. Pela forma de envio mais demorada. Amareladamente se desfez. Fingiu não esperar. V i n t e e q u a t r o h o r a s. Dividiu vinte e quatro horas inteiras com o silêncio. Quase enlouqueceu. Voltou. O saco preto. Rasgado, havia perdido todo o conteúdo pelo caminho. Dividiu vinte e quatro horas com o silêncio e o vazio. O vazio do saco preto. Seu próprio vazio intacto posando como em uma fotografia rente aos seus olhos. Jogou o saco vazio no lixo. Mas por mais lixo que fosse o seu vazio, esse, não conseguiu arrancar. Sofreu. Sofreu um eu que ainda há. Meu. Seu. Eu. E tudo foi acabando. Quando o caminhão da mudança chegou, sentiu vontade de distribuir seu vazio a cada um daqueles carregadores. Grandes, lhe esvaziariam. Como podia caber tanta gente vazia num mesmo ambiente? Correu da sala vazia. Do vazio. Das vinte e quatro horas. Do silêncio. Correu mas não alcançou. Não alcançou você. Nunca mais.

Pequena história triste

Entrou na sala e tudo estava vazio. A areia atritava contra a sola do sapato. O eco ressoava por todo o vão. É. Era. Era um vão. Ã ã ã ã ão. Chorou. Sapateou. Ou ou ou ou. Mas nada voltou pro lugar. Virou-se de um lado para o outro tão rapidamente que rasgou o ar em quatro. Então reparou que ele é quem estava rasgado. Por dentro, em muito mais que vinte e seis. Tentou samba sorriso são paulo sabor. Disfarce nenhum colava suas milhões de partes. Triste mosaico ele se transformou. Partiu no ritmo da partida. Ida ida ida. Tudo estava vazio quando entrou na sala. Então resolveu devolver as chaves.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Pois é pai,

Pai, eu tô pequeno sabe? Tô pequeno assim: do tamanho da sua sabedoria. Qualquer um esperaria uma frase irônica mas meu espírito hoje acordou humilde e não está para piadas. Eu tô assim: árido e morto. Triste como o processo de desertificação. Já parou pra pensar no quanto é triste ver a terra morrer? Não é o fato da morte propriamente acontecida. É o processo. Li que a desertificação é a " degradação da terra (...) resultante de vários fatores, entre eles (... ) as atividades humanas". Os homens matam. Tudo e todos que tocam. Nós matamos. Tudo o que está vivo está também fadado a morrer, a qualquer momento. Mas a morte, em raras exceções, não é um ponto apenas. Enigmático, solitário e independente. Há uma teia de fatores antes do fim. Mas o papo não era bem esse. Estou realmente árido e morto. E não quero ficar repetindo isso pra mim mesmo. Então espero que entenda logo sobre o que estou falando. Meus pés estão cansados. Meus pés e meu "juízo". Apesar de juízo ser algo relativamente variável e altamente questionável. Pois é pai. Eu tô assim: querendo um pouco mais de amor.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Falta

A falta. Falta a presença física. Matéria. Informação pra próxima chamada. Falta. Lavar esterilizar passar chegar decidir e seguir vivendo. As vezes falta ar. Mas não falta vida. Falta espaço tempo dinheiro. Mas não falta vida. Falta paciência tolerância altruísmo. Aí falta vida. Destruição. Ter a terrível limitação de quem dança respeitando a marcação. Não que isso seja um incentivo a rebeldia, ainda que pareça. São os limites além. Nada de moralidade convencionalismo banal. Sabe quando o cara do filme mostra os quatro dedos e pergunta ao outro quantos ele vê? Oito. É ver oito. Sem precisar estar dopado viajado ou sob efeito de algum alucinógeno além da percepção aguçada. As emoções são frágeis e cristalinas. Elas não podem ser distorcidas como reações. São o que são pelo preço que for. E as vezes custa caro. Pra economia do seu dia a dia e pra economia do seu ego. Tem gente que economiza vida. Não sabe contrabalancear. E tem gente que se prende a essa gente. Mas tudo o que é ruim ou faz mal se auto destrói. Tic tac. Como uma bomba prestes a explodir. E aí começa tudo outra vez.